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Na Medida / Artigo

Edição 21- Junho de 2019

Metrologia: uma Ciência em constante evolução

Aline O. Coelho* e Eveline De Robertis**
Diretoria de Metrologia Científica e Tecnologia

Gustavo Conde Menezes***
Diretoria de Metrologia Aplicada às Ciências da Vida

 

Possivelmente, para todo lugar onde se olhe, um exemplo de metrologia pode ser percebido. Há indícios históricos do uso das medições há pelo menos, cinco mil anos: os sumérios (que viviam onde hoje é o Iraque), egípcios, chineses... muitos dos povos antigos já utilizavam as medidas para facilitar o comércio.

Porém, logo percebeu-se que era necessário que fossem iguais, para que as operações fossem justas. Em cerca de 2000 a.C., os egípcios passaram a basear sua unidade no tamanho do antebraço do faraó, surgindo assim o cúbito. E, em muitos outros povos, havia iniciativas equivalentes. A reprodutibilidade e a constância desses padrões, porém, eram inviáveis, dadas as mudanças políticas e o desgaste dos materiais utilizados.

Séculos se passaram e as grandes navegações e o comércio ultramarino colocaram nações de continentes diferentes em contato, o que trouxe à tona a necessidade de uma solução mais abrangente e internacional. Seguindo uma série de esforços coletivos de uniformização e universalização das medidas, e confirmando o protagonismo francês nesse processo, em 1º de março de 1875 instalou-se, em Paris, a Conferência Diplomática do Metro, presidida por ÉlieLouis Decazes, Duque Decazes, ministro dos Negócios estrangeiros na França. Na ocasião, 17 países foram signatários do tratado que propunha a unificação internacional e o aperfeiçoamento do Sistema Métrico, além da criação do Bureau Internacional de Pesos e Medidas (BIPM): Alemanha; Argentina; Áustria-Hungria; Bélgica; Brasil; Dinamarca; Espanha; Estados Unidos da América; França; Itália; Peru; Portugal; Rússia; Suécia e Noruega; Suíça; Turquia; e Venezuela.

Logo em 1889, na 1 a Conferência Geral de Pesos e Medidas (CGPM), foram aprovados os novos protótipos do metro e do quilograma e sorteadas as cópias que seriam distribuídas pelos países membros. Também foi aprovado o segundo como unidade de tempo. Ao longo dos anos, outras quatro unidades foram adicionadas - ampere, kelvin, mol, candela – formando o grupo das sete que conhecemos hoje.

A redefinição do Sistema Internacional de Unidades (SI), formalizada no último dia 16 de novembro de 2018, durante a 26a CGPM, na França, representou um marco histórico para a metrologia (ciência das medições e suas aplicações) com a transição completa de padrõesfísicos para padrões baseados em constantes naturais.

As unidades revisadas são: quilograma (massa), ampere (corrente elétrica), kelvin (temperatura termodinâmica) e mol (quantidade de matéria). O que há de inovador nisso? O uso de artefatos físicos como padrões traz como inconveniente a instabilidade, uma vez que eles são vulneráveis aos danos humanos e ambientais. O uso de constantes que descrevem a natureza como nossa base universal para medições permite, não só aos cientistas, mas também à indústria e à sociedade, ter um sistema mais confiável, consistente e escalável entre quantidades, desde o muito grande ao muito pequeno. Os novos métodos de medição usam fenômenos quânticos (por exemplo, a carga do elétron) e fenômenosrelativísticos(como a velocidade da luz no vácuo) como base para padrões de medidas fundamentais.

Novas mudanças?

A revisão do SI também formalizou o reconhecimento de que, para além das unidades de medidas fundamentais, a contagem de unidades discretas é uma categoria de medição com rastreabilidade metrológica. Assim, a Metrologia evoluiu seu entendimento para prover maior confiança à sociedade nas medições de propriedades ordinais discretas como, por exemplo, a contagem de microrganismos contaminantes em alimentos.

A partir disto, podemos esperar por novas mudanças no futuro? A resposta é: provavelmente. A aplicação da Metrologia a novos campos do conhecimento, como nas Ciências da Vida, traz desafios importantes que continuam sendo discutidos por especialistas de todo o mundo, com a participação efetiva do Inmetro. Alguns estudos científicos estimam que mais de 50% das pesquisas biomédicas, representando gastos em torno de 28 bilhões de dólares apenas nos Estados Unidos, não podem ser reproduzidas com sucesso por limitações que incluem a falta de confiabilidade dos atuais métodos de medição. A consequência imediata é o dispêndio ineficiente de tempo e recursos, e uma alta taxa de insucesso no desenvolvimento, por exemplo, de novas terapias para doenças. A solução para este problema não é simples e, certamente, passa por avanços na Metrologia.

Organismos vivossão, por definição, estruturas que não são estáticas. A estabilidade de sistemas biológicos é dinâmica, dado que suas estruturas e composições sofrem transformações constantes e suas atividades biológicas variam no tempo em intensidade e natureza. Por outro lado, propriedades qualitativas de sistemas biológicos são mantidas relativamente estáveis, o que nos permite, por exemplo, identificá-los e classificá-los. Esta estabilidade dinâmica traz desafios conceituais e práticos importantes no campo da Metrologia como, por exemplo: como dar tratamento de incertezas para propriedades biológicas qualitativas? Como definir mensurandos a partir de funções biológicas em uma população naturalmente heterogênea (mas igualmente funcional) de enzimas ou células? Como elevar a precisão de medições biológicas quando há limitações nas condições de repetibilidade e reprodutibilidade de medição?

A necessidade de abordar pela primeira vez medições em química e em medicina laboratorial foi um fator primordial que levou a revisão do Vocabulário Internacional de Metrologia em 2012. Agora, houve o reconhecimento formal da rastreabilidade metrológica para propriedades ordinais discretas, como para medições de número de células. Dado que a obtenção de medidas biológicas confiáveis e reprodutíveis é essencial para setores importantes da sociedade – como a medicina, a farmacêutica, a biotecnologia, a engenharia de alimentos e o meio ambiente – certamente devemos esperar no futuro por mais mudanças conceituais e práticas na Metrologia.

Para mais detalhes sobre estas mudanças acessar:
www.bipm.org/en/measurement-units/base-units.html
www.bipm.org/en/measurement-units/rev-si/
www.bipm.org/utils/common/pdf/SI-statement.pdf

*Aline O. Coelho é doutoranda em História das Ciências e Educação Científica pela Universidade de Coimbra e analista executiva do Inmetro.

**Eveline De Robertis é doutora em Ciências com ênfase em Físico-Química pelo Instituto de Química de São Carlos - USP e pesquisadora-tecnologista do Inmetro.

***Gustavo Conde Menezes é doutor em Ciências Biológicas (Biofísica) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e pesquisador-tecnologista do Inmetro.

 

 

 

 

 

 


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