Possivelmente, para todo lugar onde se olhe, um exemplo de metrologia pode ser percebido. Há indícios históricos do uso das medições há pelo menos, cinco mil anos: os sumérios (que viviam onde hoje é o Iraque), egípcios, chineses... muitos dos povos antigos já utilizavam as medidas para facilitar o comércio.
Porém, logo percebeu-se que era necessário que fossem iguais, para que as operações fossem justas. Em cerca de 2000 a.C., os egípcios passaram a basear sua unidade no tamanho do antebraço do faraó, surgindo assim o cúbito. E, em muitos outros povos, havia iniciativas equivalentes. A reprodutibilidade e a constância desses padrões, porém, eram inviáveis, dadas as mudanças políticas e o desgaste dos materiais utilizados.
Séculos se passaram e as grandes navegações e o comércio ultramarino colocaram nações de continentes diferentes em contato, o que trouxe à tona a necessidade de uma solução mais abrangente e internacional. Seguindo uma série de esforços coletivos de uniformização e universalização das medidas, e confirmando o protagonismo francês nesse processo, em 1º de março de 1875 instalou-se, em Paris, a Conferência Diplomática do Metro, presidida por ÉlieLouis Decazes, Duque Decazes, ministro dos Negócios estrangeiros na França. Na ocasião, 17 países foram signatários do tratado que propunha a unificação internacional e o aperfeiçoamento do Sistema Métrico, além da criação do Bureau Internacional de Pesos e Medidas (BIPM): Alemanha; Argentina; Áustria-Hungria; Bélgica; Brasil; Dinamarca; Espanha; Estados Unidos da América; França; Itália; Peru; Portugal; Rússia; Suécia e Noruega; Suíça; Turquia; e Venezuela.
Logo em 1889, na 1 a Conferência Geral de Pesos e Medidas (CGPM), foram aprovados os novos protótipos do metro e do quilograma e sorteadas as cópias que seriam distribuídas pelos países membros. Também foi aprovado o segundo como unidade de tempo. Ao longo dos anos, outras quatro unidades foram adicionadas - ampere, kelvin, mol, candela – formando o grupo das sete que conhecemos hoje.
A redefinição do Sistema Internacional de Unidades (SI), formalizada no último dia 16 de novembro de 2018, durante a 26a CGPM, na França, representou um marco histórico para a metrologia (ciência das medições e suas aplicações) com a transição completa de padrõesfísicos para padrões baseados em constantes naturais.
As unidades revisadas são: quilograma (massa), ampere (corrente elétrica), kelvin (temperatura termodinâmica) e mol (quantidade de matéria). O que há de inovador nisso? O uso de artefatos físicos como padrões traz como inconveniente a instabilidade, uma vez que eles são vulneráveis aos danos humanos e ambientais. O uso de constantes que descrevem a natureza como nossa base universal para medições permite, não só aos cientistas, mas também à indústria e à sociedade, ter um sistema mais confiável, consistente e escalável entre quantidades, desde o muito grande ao muito pequeno. Os novos métodos de medição usam fenômenos quânticos (por exemplo, a carga do elétron) e fenômenosrelativísticos(como a velocidade da luz no vácuo) como base para padrões de medidas fundamentais.
Novas mudanças?
A revisão do SI também formalizou o reconhecimento de que, para além das unidades de medidas fundamentais, a contagem de unidades discretas é uma categoria de medição com rastreabilidade metrológica. Assim, a Metrologia evoluiu seu entendimento para prover maior confiança à sociedade nas medições de propriedades ordinais discretas como, por exemplo, a contagem de microrganismos contaminantes em alimentos.
A partir disto, podemos esperar por novas mudanças no futuro? A resposta é: provavelmente. A aplicação da Metrologia a novos campos do conhecimento, como nas Ciências da Vida, traz desafios importantes que continuam sendo discutidos por especialistas de todo o mundo, com a participação efetiva do Inmetro. Alguns estudos científicos estimam que mais de 50% das pesquisas biomédicas, representando gastos em torno de 28 bilhões de dólares apenas nos Estados Unidos, não podem ser reproduzidas com sucesso por limitações que incluem a falta de confiabilidade dos atuais métodos de medição. A consequência imediata é o dispêndio ineficiente de tempo e recursos, e uma alta taxa de insucesso no desenvolvimento, por exemplo, de novas terapias para doenças. A solução para este problema não é simples e, certamente, passa por avanços na Metrologia.
Organismos vivossão, por definição, estruturas que não são estáticas. A estabilidade de sistemas biológicos é dinâmica, dado que suas estruturas e composições sofrem transformações constantes e suas atividades biológicas variam no tempo em intensidade e natureza. Por outro lado, propriedades qualitativas de sistemas biológicos são mantidas relativamente estáveis, o que nos permite, por exemplo, identificá-los e classificá-los. Esta estabilidade dinâmica traz desafios conceituais e práticos importantes no campo da Metrologia como, por exemplo: como dar tratamento de incertezas para propriedades biológicas qualitativas? Como definir mensurandos a partir de funções biológicas em uma população naturalmente heterogênea (mas igualmente funcional) de enzimas ou células? Como elevar a precisão de medições biológicas quando há limitações nas condições de repetibilidade e reprodutibilidade de medição?
A necessidade de abordar pela primeira vez medições em química e em medicina laboratorial foi um fator primordial que levou a revisão do Vocabulário Internacional de Metrologia em 2012. Agora, houve o reconhecimento formal da rastreabilidade metrológica para propriedades ordinais discretas, como para medições de número de células. Dado que a obtenção de medidas biológicas confiáveis e reprodutíveis é essencial para setores importantes da sociedade – como a medicina, a farmacêutica, a biotecnologia, a engenharia de alimentos e o meio ambiente – certamente devemos esperar no futuro por mais mudanças conceituais e práticas na Metrologia.
Para mais detalhes sobre estas mudanças acessar:
www.bipm.org/en/measurement-units/base-units.html
www.bipm.org/en/measurement-units/rev-si/
www.bipm.org/utils/common/pdf/SI-statement.pdf
*Aline O. Coelho é doutoranda em História das Ciências e Educação Científica pela Universidade de Coimbra e analista executiva do Inmetro.
**Eveline De Robertis é doutora em Ciências com ênfase em Físico-Química pelo Instituto de Química de São Carlos - USP e pesquisadora-tecnologista do Inmetro.
***Gustavo Conde Menezes é doutor em Ciências Biológicas (Biofísica) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e pesquisador-tecnologista do Inmetro.