Edição 4 - julho de 2017
Sem tempo a perder
A Divisão de Metrologia em Tecnologia da Informação e Telecomunicações (Dimci/Dmtic) está implantando um padrão primário de tempo e frequência no Inmetro. Trata-se de um relógio atômico a feixe térmico baseado em átomos de césio, com precisão da ordem de aproximadamente 1 segundo em 1 milhão de anos (10-14). A previsão é que o instrumento esteja pronto para uso em dezembro deste ano.
O relógio, bem diferente dos marcadores de hora comuns em nosso dia-a-dia, foi desenvolvido no Instituto de Física de São Carlos (IFSC), da Universidade de São Paulo (USP), e transferido para o Inmetro, em 2013, por meio de um acordo de cooperação. O desafio, agora, é transformar o desenvolvimento científico em conquista metrológica, com aplicação industrial e impacto nas relações comerciais do País.
Hoje, a calibração de instrumentos que têm o tempo como base é feita pelo Observatório Nacional (designado pelo Inmetro para realizar essa atividade), com a utilização de relógios atômicos comerciais, ou seja, que foram comprados, mas não desenvolvidos pelo próprio instituto.
O Inmetro também tem três desses relógios comerciais, com incerteza de medição de 20 nanosegundos. O esforço é reduzir essa incerteza para 5 nanosegundos, a partir da calibração do receptor do equipamento. Os países mais desenvolvidos nessa área – Alemanha, Estados Unidos, França e Japão – conseguem trabalhar com incerteza de 1 nanosegundo.
Com esses relógios, o Inmetro e o Observatório Nacional participam de comparações-chave com o Bureau Internacional de Pesos e Medidas (BIPM) desde 2012. Setenta países no mundo participam da comparação com esse tipo de reprodução. Com a implantação do padrão primário, o Brasil irá se juntar a um grupo bem mais restrito, de 14 países que têm a capacidade de medição com padronização primária propriamente desenvolvida.
“Os relógios comerciais são uma reprodução da grandeza. Gostaríamos que o Brasil tivesse representação por padronização de realização stricto sensu. Isso demonstra que o País tem maturidade tecnológica para trabalhar na área”, explicou o chefe do Laboratório de Tempo e Frequência da Dmtic, Guilherme de Andrade Garcia.
O pesquisador do laboratório, Luiz Vicente Tarelho, reforça que, no padrão nacionalizado, há domínio de todos os subsistemas do relógio por quem o opera, havendo maior controle de todas as incertezas de medição. “A gente consegue perceber erros sistemáticos e corrigi-los”, afirmou.
Pesquisadora do Inmetro, Muriel Aparecida de Souza, opera relógio atômico a feixe térmico no laboratório da Dmtic.
Colocar o padrão em funcionamento, no entanto, não é tarefa fácil. A meta é que ele funcione 24 h por dia, 7 dias por semana. O serviço de calibração poderá ser realizado remotamente, sem haver necessidade dos laboratórios trazerem o instrumento físico ao Inmetro, em uma atuação complementar à do Observatório Nacional. “O PTB mantém seu padrão funcionando 340 dos 356 dias do ano. A gente sabe que é um desafio operá-lo o tempo todo”, disse Tarelho. A percepção da dificuldade, no entanto, não é maior do que a consciência da importância que o desenvolvimento da área de tempo e frequência pode trazer para o País.
A metrologia de tempo e frequência é utilizada, por exemplo, na área de telecomunicação, no mercado financeiro (para garantir precedência na negociação de ações em transações de alta frequência) ou para emissão de carimbo de tempo, uma espécie de selo, emitido por instituições credenciadas pelo Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI), que atesta a data e a hora exatas da emissão de um documento eletrônico.
Mais que isso, ter um sistema nacional de tempo e frequência é extremamente estratégico em termos geopolíticos. Hoje, nós utilizamos o GPS, sistema controlado pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos. Existem outros sistemas concorrentes, como o Beidou (da China), o Galileo (da União Europeia) e o Glonass (da Rússia).
Não é à toa que diversas regiões do mundo investem em um sistema próprio de navegação por satélite: eles são muito importantes para garantir a soberania de uma nação. “Atualmente, nossas redes de energia elétrica e de telecomunicação estão ancoradas no sistema GPS. Isso é uma vulnerabilidade estratégica. Em sua situação de conflito, não precisam nem invadir o País, é só ´desligar´[o sistema] que a gente para de falar no telefone, que a energia elétrica para de ser distribuída”, exemplificou Tarelho.
Para ter um serviço de posicionamento nacional é imprescindível haver metrologia de tempo e frequência bem definida no País. De acordo com Guilherme Garcia, a Comissão de Coordenação de Implantação de Sistemas Espaciais, órgão do Ministério da Defesa, está em contato com o Inmetro, pois está interessada em desenvolver esse sistema, importante para a segurança nacional.
Futuro
Mesmo com toda a exatidão alcançada pelos relógios atômicos de feixe térmico, como o que está sendo desenvolvido no Inmetro, para novos avanços tecnológicos são exigidos padrões cada vez mais precisos.
No Instituto de Física de São Carlos já foi desenvolvido um relógio atômico de 2ª geração, chamado de chafariz de césio, que usa átomos frios. A ideia é que esse padrão seja transferido para o Inmetro entre os anos de 2018 e 2019.
Há ainda relógios ópticos, que chegam à exatidão de 10-19 e exigem tecnologia de ponta para implantação. “Já existem grupos de pesquisa trabalhando com isso. Eles estão avançando nessa área, que seriam os futuros padrões da metrologia. Por isso é tão importante mantermos a cooperação”, falou Guilherme Garcia.