Edição 3 - abril de 2017
Editorial
Metrologia Aplicada às Ciências da Vida: desafios e conquistas
MARCELLO ANDRE BARCINSKI
Diretor de Metrologia Aplicada às Ciências da Vida
Embora a marca Inmetro seja amplamente conhecida pela nossa população, a percepção de que as ciências metrológicas formam um dos pilares da nossa vida cotidiana não é tão generalizada.
A capacidade de medir é um instrumento fundamental da ciência, da tecnologia e da inovação e é certamente uma das mais bem sucedidas criações do homem. É um dos parâmetros que permite que as sociedades humanas interajam entre si e com o ambiente do qual fazem parte e que define as bases do comércio nacional e internacional, do desenvolvimento sustentável, do bem-estar individual (incluindo-se a saúde física e mental) e da saúde coletiva. É através dos avanços da pesquisa em metrologia que a capacidade de medir pode responder às demandas de um mundo em permanente transformação.
Historicamente, as primeiras unidades de mensuração tiveram o homem como referência (ex.: cúbito, pés, “dedos”); por sua vez, os primeiros mensurandos tiveram como referência os frutos do trabalho agrícola do homem (ex.: quantidade de sementes, volume de grãos*), típicos produtos das ciências da vida.
Paradoxalmente, as ciências da vida só passaram a ter vida própria e a serem discutidas dentro da estrutura internacional da metrologia (BIPM) em época mais recente. O Euramet 2008 (Metrology in Short, 3rd edition, 2008) não inclui as ciências da vida como uma categoria metrológica. É verdade que esta mesma referência lista nas subáreas da Química algumas áreas de interesse das ciências da vida (ex.: Química Clínica, Bioquímica, Microbiologia e pHmetria).
A estrutura internacional da metrologia física foi estabelecida em 1927 e a da química, bem mais complexa, somente em 1993. A dificuldade de se estabelecer uma estrutura metrológica para as ciências da vida deve-se à enorme complexidade dos seres vivos e a mais dois fatores: (1) pela sua origem na História Natural e na Medicina, as ciências da vida não são tidas como ciências exatas; assim sendo, são menos passíveis de serem matematicamente expressas e, por conseguinte, menos sujeitas à quantificação; eram, e às vezes ainda são, classificadas como parte da área das humanidades; (2) a superposição de algumas atribuições das agências de metrologia com agências regulatórias, de vigilância epidemiológica e sanitária, e de controle da qualidade (abrangendo os medicamentos) das áreas de saúde. Ressalte-se que a poderosa indústria farmacêutica não tem os seus produtos rastreados com padrões metrológicos clássicos.
Obviamente muita coisa mudou nos últimos anos. O notável progresso na genética, imunologia, bioquímica e biologia molecular, na geração e interpretação de imagens, na biologia celular, na biotecnologia e na biologia computacional, forneceu às ciências da vida um embasamento teórico surpreendente. Esses avanços permitiram, só para citar alguns poucos exemplos, o surgimento da medicina translacional, personalizada e de precisão, dos biofármacos, da engenharia tecidual e dos animais de experimentação e alimentos geneticamente modificados. Como consequência, a agropecuária, a medicina terapêutica, preventiva e forense e a saúde pública, abrangendo a segurança alimentar e hídrica e o saneamento básico, tornaram-se ciências cuja prática é agora baseada em evidências.
Cabe à metrologia nas ciências da vida definir, criar e aperfeiçoar métodos, estratégias e reagentes para mensurá-las. A Dimav certamente está aparelhada e possui um quadro competente para cumprir com estas responsabilidades.
*Ver Brandi,H. Um passeio no tempo com as medições: do cúbito ao metro